segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Camarão importado

É.... e ele inesperadamente sorriu. Sorriu sim! Aquele mesmo sorriso amarelo e sem graça de tempos atrás. Não que ele não tentasse ou que fosse questão cultural, é que ele era sem graça mesmo. E o sorriso não era amarelo por ele simplesmente ser desprovido de humor, é que o infeliz era quase transparente, vivia num estado de anemia constante, mas aí confesso que não é questão patológica, e sim geográfica mesmo. O maldito era inglês, autêntico, com selinho e tudo mais. Daqueles que fica parecendo um camarão quando vai à praia, e esse fica mais importante para os malandros, um objeto de status: camarão importado!
Acho que da última vez que esteve aqui comigo, só levou vantagem para os outros “camaroeszinhos”, por saber umas vinte outras palavras que não fossem: caipirinha, brazil, mulata, carnaval, legal e samba; e diga-se de passagem que nessa última não levava vantagem alguma, era duro como uma pedra. Nessa mesma vez, fomos a um forró logo aqui longe de casa, e esse dia foi um dos mais engraçados, não para ele, com toda certeza, até porque não podemos esquecer de que ele não é nada engraçado, o fato é que a cada “dois pra lá”, ele dava “três pra cá”, demonstrando ser um antro de coordenação às avessas.
O mais engraçado foi que eu estava sentado à mesa do bar, quando vi um rapaz aproximando-se de uma bela mulata, então ela a chama para dançar. Na primeira pisada de pé que ele deu, a danada da mulata deu-lhe um tapa e deixou o coitado sozinho na pista. E você se pergunta: - “O que tem de tão engraçado nisso?” – é, mas acontece que de repente, o camarão, que era um tanto quanto desastrado por natureza, passou pela mulata, deu um chute na mesa, derrubou os copos, e então esperou aprender um novo palavrão, mas surpreendentemente a mulata riu um sorriso falso, chamou-o para sentar e ainda perguntou se ele estava bem. Talvez a altura, os olhos azuis, os cabelos loiros, a pele branca (que não estava tão branca porque estivemos na praia mais cedo), tenham afetado o sistema emocional da mulata, que fez com que ela ficasse comovida com aquele desastre. E logo depois de toda essa confusão, ele conseguiu praticar seu vocabulário; ela disparou milhões de perguntas, – “Você está bem?” – “Quer que eu ajude?” – “Você está ferido?” – “Quer beber alguma coisa?”... E ele então só conseguiu dizer: – “Legal”.
Acho que foi nesse dia que ele aprendeu a palavra gostosa. Ele me chamou para sentar à mesa com eles, me puxou de lado e me perguntou o que dizer, e então eu não podia perder a oportunidade de brincar, disse para chamá-la de morena gostosa; pensando eu que ele levaria um “beautiful” tapa, mas para meu engano, ela se derreteu com aquele sotaque enrolado, pegou na coxa dele e disse: – “Meu gringo lindo!”. Eu fiquei indignado, um dia eu chamei uma morena de gostosa, e ela, além do tapa, inteligentemente me disse: – “Sou gostosa mesmo, mas você jamais irá provar!”

domingo, 18 de janeiro de 2009

Contador de corpos

Um dia desses eu vi uma reportagem que dizia que vários governos Estaduais do Brasil estavam implantando um contador de impostos. O dito contador, afere em tempo real, o recolhimento das tributações pagas ao governo. Interessante! Assim podemos saber o quanto estamos pagando ao governo através do consumo. Bom, assim pensei... Mas ao refletir sobre o caso, logo escutei o comentário: "é bom mesmo, porque só assim a gente sabe o quanto está sendo roubado." - Para não parecer muito hostil, mudo este comentário passando para minhas palavras: "é bom mesmo, só assim sabemos o quanto pagamos e podemos ponderar o quanto em benefícios estamos recebendo." (um pouco mais sutil, mais lírico...).
No Brasil, morrem mais pessoas do que em guerras, talvez fosse interessante o governo colocar em cada praça um contador de corpos, contabilizando cada baixa humana nesta guerra civil em que vivemos, talvez surta algum efeito, talvez algum famigerado deixe de cometer um latrocínio para pedir pacientemente um emprego enquanto seus "famigeradinhos" choram de fome, talvez um grande traficante de drogas europeu enquanto passa férias em nosso paraíso tropical (paraíso?), ao ver o novo contador e corpos, se comova e decida fechar a sua rentável agência de "viagens" (viagem esta, muitas vezes sem volta). Talvez os motoristas que bebem e dirigem, quando sentados na mesa do bar, ao verem o contador girar, se conscientizem e vão de táxi... Talvez... Talvez não...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Renascença

Depois de seu ato incompreensível, sentiu na boca um gosto de morte, o que realmente acontecera. Traçou um caminho nada confortável, bastante tortuoso, muito diferente do que imaginava. Tinha uma visão extraordinária em relação à morte, tudo seria lindo, sairia de um plano de sofrimento, de dor, de eterna consternação, e seriam consolados por uma imensa benevolência dos anjos, arcanjos e todas as figuras celestiais que ali o cercariam. Mas não! Depois percebera que era realmente só sua imaginação, sua visão de uma coisa que não se tem certeza ainda em vida. E o tempo que ele levou para pensar nessa beleza de morte, foi o tempo de um simples fechar de olhos, depois de ver a sua vida lhe dando a morte. Fechava os olhos, pois em vida não veria mais, mas piscava os olhos, pois entrava em outro mundo, aquele mundo que achava que era bonito, mundo o qual sorria antes de entrar, e que até hoje o sorriso se faz presente naquele mórbido e imóvel corpo, corroído por vermes que surgiam de dentro para fora, a sua consciência que o corroera antes de qualquer agente terrestre. Mas na verdade, a beleza que lhe parecia fazia sentido, buscara enfim as perguntas para sua resposta, e seria lindo solucionar seus problemas, no entanto buscara a dor, e não encontrara a solução. Percebera então que uma única coisa fazia sentido, a vida! Então se perguntara o porque de ter se matado, o porque de ter sido assassinado por sua própria consciência, se agora sua consciência já era outra? Depois de muito refletir, achara a solução, ou ao menos a charada: sua consciência não mudara, simplesmente renascera diante da morte de quem o matava pouco a pouco.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Falso Moralismo

O mundo caminha para uma total inversão de valores, com direito a frases clichês de pessoas nostálgicas e ainda boas em sua essência, tais como: - "Não se fazem mais pessoas como antigamente!" A palavra e a questão é esta mesmo, fazer, fazer pessoas! Uma vez que se tem valores totalmente infundados, sem idéia de construção de família, do bem ao próximo, da boa vontade, dá fé em sua essência (a crença em si próprio ou das coisas que pode fazer para ser melhor e/ou das coisas que pode fazer aos outros que o cercam).
E tudo isso caminha para o desprezo que o ser humano tem consigo mesmo. Não como uma depressão coletiva, até porque esse desprezo é às vezes inconsciente, mas bastante relevante, que faz com que as pessoas entrem num processo de autoflagelação diária, contínua e bastante agressiva, que não é perceptível a si próprio, mas às vezes aos outros. E quando isso vem se tornar bastante evidente, a pessoa se vê em cima de uma cama, ou em inúmeras situações humanamente desagradáveis ou insuportáveis, repetindo incessantemente: - "O que eu fiz para merecer isso?!", - "Onde foi que eu errei?!" E então lembramos Shakespeare: "Morrer, dormir... Dormir! Talvez sonhar! É ai que bate o ponto! O não sabermos que sonhos poderão trazer o sono da morte, quando enfim desenrolarmos todo um passado cruel".
E nesse mundo de sonhos, começa-se a engajar em falsas ideologias, pregando o que não é, nem foi ou poderá ser um dia. Dizer de boca cheia que não se deve queimar matas, e jogar o fósforo que ascendeu o cigarro no chão, é o mesmo que procurar um prego solto no chão de uma sala escura: uma hora se acha, mas quando furar o pé pisando em cima dele.
E tudo isso, por ignorância talvez, ou por pura arrogância mesmo, muitos têm a idéia de falso poder, imaginando ter o aval de fazer o que se bem entende, e ainda assim lançar palavras de falsa modéstia e ter a enorme soberba quando lhe convém, de proferir a mais uma frase clichê: - "Você sabe com quem está falando?!" E o único ponto otimista é quando alguém tem a coragem de dizer: - "Sei... um pobre coitado!" E dentre tantos clichês, também virou clichê ser humano, o que se tenta agora é ser gente!

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O passar das horas eternas

Atendendo a pedidos, o tema será poesia, e em homenagem a este momento de virada de ano (que ao meu ver é apenas “um dia após o outro” que finaliza um ciclo e desencadeia um novo), apresento à vocês uma poesia que fiz há um certo tempo atrás.


O passar das horas eternas

Sono na inquieta primeira noite de janeiro.
Rumores correm à cidade sobre o paradeiro
Da última quimera de dezembro
– Onde ela está? – Diz o poeta: “nem me lembro”!

O desespero corre a solta!
De lado a lado rumam os desejos.
Sinos na cidade revolta,
Malucos distribuindo beijos.

Todos se matam atropelados.
Presságios de uma cidade morta,
Deixando desesperados
Os que seguem o profeta da palavra torta.


Marcos Fernandes


É certo que poesias não se explicam, que me perdoem os ótimos professores de literatura que tive, e aos que não tive também e cumpriram tão bem o seu dever, mas ainda assim direi algo sobre esta poesia, não sobre em que movimento literário ela se enquadra, ou qual a fonte de inspiração, ou qualquer outro tipo de qualificação ou classificação... A poesia retrata uma cena de fim de mundo, as profecias que são feitas a respeito, e que dizem que este será na virada do século passado, neste, ou no próximo... E que no final das contas, o mundo não acaba, ao menos não assim catastroficamente como rezaram os pergaminhos. O mundo vai se acabando aos poucos, com os seus próprios inquilinos, que não percebem o que fazem, e preferem seguir as “palavras tortas de um profeta”. É a representação total da discrepância entre o verdadeiro e o falso.